Daniela Ferreira apoia estudo de Oxford que vai aplicar a vacina em 10 mil voluntários. Segundo pesquisadora, é preciso que o vírus continue a circular entre a população para que se verifique a eficácia da fórmula, mas taxas de contágio diminuem em alguns países.
Doutora pelo Instituto Butantan, a cientista Daniela Ferreira se considera otimista. Atualmente ela coordena um dos centros que testa a vacina contra a Covid-19 elaborada pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, e trabalha para que o esforço não seja em vão e termine arquivado nos fundos dos freezers de laboratórios.
Em todo o Reino Unido, a fórmula está sendo aplicada em 10 mil voluntários. O dilema para provar a possível eficácia está justamente no fato de os cientistas dependerem da continuidade da circulação do vírus entre a população para que os voluntários sejam expostos ao coronavírus Sars-Cov-2.
“É uma situação um pouco bizarra, porque você quer que o coronavírus desapareça, não quer que as infecções continuem”, diz a chefe do departamento de ciências clínicas da Escola de Medicina Tropical de Liverpool.
A brasileira explicou que, com um número baixo de novos casos confirmados de coronavírus, fica mais difícil avaliar se a vacina funcionou efetivamente nos voluntários. Segundo a pesquisadora, isso já aconteceu em pandemias anteriores, como a do Sars e do Mers.
“Assim que as vacinas ficaram prontas para serem testadas, as epidemias tinham passado e não se conseguiu testar” comentou a cientista. “Tem vários candidatos a vacinas para estas doenças. Elas estão no freezer de laboratórios, prontas para serem testadas caso tenha uma outra pandemia do mesmo vírus.”
No momento, não há qualquer perspectiva para o desaparecimento da pandemia de Covid-19. Mas para conseguir rapidamente os dados necessários que comprovam se uma vacina funciona ou não, é preciso que haja um alto número de infectados no país onde estão os voluntários.
No final de semana, Adrian Hill, um dos desenvolvedores da ChAdOx1 nCoV-19, uma das pioneiras a chegar na fase três, disse a um jornal britânico que o trabalho desenvolvido por sua equipe pode ter apenas 50% de chance de sucesso se o número de infectados no país continuar diminuindo.
Mas a pesquisadora brasileira disse acreditar que a comunidade científica internacional deve entregar antes do fim da epidemia uma vacina contra a Covid-19. Ela não se arriscou a dizer se a imunização será o resultado deste estudo coordenado por Oxford.
Vacina para doenças respiratórias
Natural de Campinas, a pesquisadora se especializou no estudo vacinas para doenças respiratórias ainda no Brasil, trabalho que seguiu desenvolvendo durante a década em que vive no Reino Unido. No país europeu, ela avalia como vacinas reagem a bactérias causadoras da pneumonia.
Professora Daniela Ferreira — Foto: Divulgação/Escola de Medicina Tropical de Liverpool
Com o início da pandemia e o aumento de casos no Reino Unido, a equipe de Ferreira suspendeu os estudos com pneumococos. Isso como forma de precaução para que os voluntários não se infectassem com o novo coronavírus enquanto tivessem também infectados com bactérias que causam pneumonia no corpo.
“Nosso modelo é seguro, a gente já fez em mais de mil pessoas e nenhuma ficou doente por causa da bactéria, mas no momento em que lá fora eles vão entrar em contato com o vírus –que pode juntar com a bactéria e causar uma pneumonia– a gente decidiu, no começo de março, que era hora pausar todas as nossas pesquisas clínicas para pneumococo”, disse a pesquisadora.
Pesquisa com coronavírus
Com a suspensão das pesquisas com bactérias em humanos, a equipe de Ferreira foi contatada pela farmacêutica norte-americana Pfizer para estudar como o coronavírus interage com a bactéria pneumococo, que a brasileira já estudava anteriormente.
“A gente soube que a maioria dos pacientes admitidos com a doença severa nos hospitais por causa de coronavírus também têm uma infecção bacteriana”, disse a cientista. “Há estudos na China mostrando que o pneumococo é uma daquelas bactérias que têm essa capacidade de interação.”
Ela explicou que este foi o primeiro contato do seu grupo com infectados pelo Sars-Cov-2, em um estudo que acompanha dois tipos de indivíduos: os pacientes e os profissionais de saúde. Esse estudo segue, mas há três semanas o centro que Ferreira dirige foi convidado para colaborar com a Universidade de Oxford nas testagens da terceira fase da vacina contra a Covid-19.
Enfermeiras do Liverpool Respiratory Clinical Research Group com EPI prontas pra começar o estudo clínico — Foto: Daniela Ferreira/Arquivo Pessoal
Ela contou que sua equipe passou de 30 para mais de 100 profissionais para poder acompanhar as demandas que este novo estudo exige. Ferreira disse que muitos dos novos colegas são profissionais da saúde voluntários e trabalham com a pesquisa quando não estão atendimento os pacientes com Covid-19.
“São médicos e enfermeiras que nos ajudam a fazer a seleção dos participantes, a vacinação, e agora vamos começar a fazer as visitas de ‘follow up’, um monitoramento que vai durar um ano”, disse a cientista.
Estágios de produção
Para chegar a uma vacina efetiva, os pesquisadores precisam percorrer diversas etapas. Entre elas está a pesquisa básica – que é o levantamento do tipo de vacina que pode ser feita. Depois, passam para os testes pré-clínicos, que podem ser in vitro ou em animais, para demonstrar a segurança do produto; e depois para os ensaios clínicos, que podem se desdobrar em outras quatro fases:
- Fase 1: feita em seres humanos, para verificar a segurança da vacina nestes organismos
- Fase 2: onde se estabelece qual a resposta imunológica do organismo (imunogenicidade)
- Fase 3: última fase de estudo, para obter o registro sanitário
- Fase 4: distribuição para a população
“Durante uma pandemia, quando você não tem nenhuma outra vacina e realmente precisa de uma, é possível começar a usar vacina só com os dados da fase 3”, disse a cientista. “É possível licenciar uma vacina para o ‘uso em emergência’, que pode ser aplicada, por exemplo em médicos e enfermeiras, pessoas que estão com maior risco de exposição ao vírus, mesmo antes dessa vacina passar pela fase 4.”
Colaboração internacional
A cientista ressaltou que a produção de uma vacina é um processo demorado, que pode durar mais de uma década, mas que a colaboração entre cientistas do mundo todo em busca de uma forma de vacinação é um movimento “extraordinário”.
“A gente tem as melhores mentes do mundo inteiro voltadas para fazer uma vacina contra o coronavírus, nunca a gente teve uma comunidade científica que se juntou mundialmente ao redor de um único objetivo, que é produzir uma vacina”, exaltou a pesquisadora.
Ferreira ressaltou que a pandemia é um problema global e que é importante que uma vacina que seja eficaz seja também acessível. Além disso, ela disse que, com tantos trabalhos simultâneos em busca de um mesmo objetivo, pode acontecer de se descobrir mais de uma vacina para a Covid-19.
“Eu acho que vai ser bem possível que a gente acabe tendo mais de uma vacina que funcione”, disse a cientista. “Há mais de um tipo de vacina para a influenza e para a pneumonia, por exemplo.”
Investimento público
Ferreira reforçou a importância no investimento público em ciência e disse que só pode integrar esse grupo que pode ser responsável por uma vacina contra a Covid-19 porque recebeu apoio do Brasil em sua formação.
“Em 2009 eu usei uma bolsa do governo, da Fapesp, que é a agência de financiamento de São Paulo, para vir para a Inglaterra por 6 meses, para fazer um [doutorado] ‘sanduíche'”, explicou a pesquisadora. “Durante todo esse tempo, estava trabalhando com vacinas para pneumonia.”