FAKE NEWS: Saiba como funciona essa “fábrica de notícias falsas”

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Marcela Ross NÃO existe, pesquisa NÃO mostra 94% de apoio à intervenção militar e país NÃO está em estado de sítio: como funciona uma das fábricas de fake news no Brasil

Pesquisadores mostram quem está por trás de um dos sites com o maior compartilhamento de notícias na web. ‘O Notícias Brasil Online não é fake news. Às vezes a gente erra num conteúdo, num título. Mas a gente sempre busca novidades’, diz Rafael Brunetti, um dos sócios.

Marcela Ross é apresentada como uma “jornalista de personalidade” que escreve para o Lava Jato News desde fevereiro de 2018. Ela também já publicou textos no Notícias Brasil Online e no Painel Econômico. Mora em São Paulo e se formou pela Unip em 2007. No Facebook, costuma divulgar links de posts publicados nos sites em que trabalha. Só há um problema nisso tudo: Marcela Ross não existe.

Assim como não existe nenhuma pesquisa oficial que indique que 94% da população apoia a intervenção militar e o fechamento do Congresso ou uma confirmação do governo de que ele já admite declarar o estado de sítio no Brasil – o que não impediu que essas notícias se espalhassem na web.

No Brasil, os sócios Rafael Brunetti e Hugo Dantas estão por trás da falsa Marcela Ross e de parte das fake news que tem circulado na internet – entre elas, as duas acima citadas. A dupla já se conhecia antes de criar os sites Notícias Brasil Online, Lava Jato News, Painel Econômico e Escapoliu. Os dois são parceiros numa empresa de revenda de produtos para carro.

O Notícias Brasil Online, principal negócio da dupla, ficou recentemente em 3º lugar em um ranking feito pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital, publicado pelo professor Pablo Ortellado, da USP, entre as páginas com o melhor desempenho após uma mudança no algoritmo do Facebook – superando vários sites oficiais da imprensa tradicional. Para fazer o ranking, foi levado em conta o número de vezes em que algum link do site tenha sido compartilhado na rede social. Ele só perdeu para o G1 e para a Veja.

Rafael tem 38 anos e mora com a mulher em Praia Grande, no litoral de São Paulo. Conta que se formou em administração em meados de 2006 e que, por isso, se sente preparado para administrar os sites. Aos 24 anos, Hugo estuda marketing e publicidade. É o sócio de Rafael na empreitada e também mora em Praia Grande.

Pelo menos 20 páginas no Facebook divulgam regularmente os links dos sites da dupla. As publicações nessas páginas tentam atrair cliques para os sites que administram. Entre as páginas, estão “Operação Lava Jato – Apoio o Juiz Sergio Moro” (com 600 mil curtidas) e “Brasil na Lava Jato” (com 391 mil curtidas). Parte das páginas foi retirada do ar depois do contato jornalístico. Algumas voltaram ao ar na semana seguinte, com menos posts.

“Estamos fazendo uma revisão das páginas, mas nada de demais, não. Logo todas elas estarão ativas de novo. A gente não tem nada para esconder. Não temos nada, não fazemos nada de errado”, diz Rafael Brunetti, em entrevista feita por telefone, antes de dizer que todos os veículos podem cometer erros.

Os nomes da Lava Jato e do juiz Sérgio Moro são usados em grupos do Facebook que concentram, no total, mais de 500 mil usuários da rede social. O mais popular é “Operação Lava Jato Apoio ao juiz Sérgio Moro”, com 305 mil usuários. Os posts que direcionam aos sites de Rafael e Hugo chegam a alcançar milhares de compartilhamentos.

A postagem de links em páginas e grupos foi uma das principais formas que Rafael e Hugo encontraram para fazer com que seus links viralizassem na internet. Esse poderio ajuda a ampliar o alcance não só do Notícias Brasil Online, mas também de Lava Jato News, Escapoliu e Painel Econômico.

Marcela Ross

Mas a colunista Marcela Ross, que aparece no site da dupla, é um exemplo de algo fabricado. A foto, na verdade, é de Georgiana Ciltaru, assistente de gerência de uma empresa de produtos eletrônicos. Georgiana nasceu na Romênia e mora atualmente nos Estados Unidos.

A reportagem a encontrou e conversou com ela pelo Facebook. Georgiana conta que as fotos usadas pelo perfil falso foram tiradas em 2010 por um amigo. Ele publicou as fotos da assistente de gerência no site Pixabay e liberou os arquivos para uso livre.

Colunista foi criada, com histórico profissional falso e foto de romena, para assinar posts (Foto: G1)

Questionado sobre isso, Rafael Brunetti diz que apenas seu sócio, Hugo Dantas, pode dar detalhes sobre a participação de Marcela Ross nos negócios da dupla. Mas Hugo não quer falar com o G1. A Unip, por exemplo, nega que alguma Marcela Ross tenha estudado na instituição.

“Não conheço, não sei quem é. Tenho que perguntar para o Hugo. Vou ter que falar para o Hugo tomar cuidado também, porque acredito que ele está também sendo vítima de ‘fake news’. E aí fica difícil, né?”, afirma.

Após o contato, a página da colunista no site Lava Jato News foi tirada do ar. As assinaturas nos posts permanecem.

Negócios em família

Para publicar os links das notícias, Rafael e Hugo usam também os perfis de familiares para não chamar tanta atenção. Um dos perfis é o de Jorge Dantas. O motorista de carro diz que não está envolvido com os sites do irmão Hugo e que empresta o perfil para divulgar links no Facebook. Diz que já tentou investir num site de receitas culinárias, com conteúdos copiados de livros e outros sites, mas não deu certo.

Na rede social, porém, Jorge também aparece como administrador de pelo menos 8 páginas do Facebook. Todas compartilham links de posts publicados nos sites de Hugo e Rafael. Ele afirma que a medida é para evitar o roubo de páginas em caso de uma ação cracker e reforça que não está envolvido nos negócios do irmão caçula.

Em 13 de junho deste ano, Jorge Dantas compartilhou no seu perfil pessoal do Facebook um post da página “Em defesa do Brasil”. O texto diz que a jornalista Míriam Leitão participou do assalto ao Banco Banespa da Rua Iguatemi, em São Paulo, em 6 de outubro de 1968. A foto do post é atribuída ao do dia do julgamento do crime. Segundo o post, a jornalista e “seus comparsas levaram 80 mil cruzeiros, equivalente a R$ 800 mil”.

Irmão de um dos sócios ajuda a compartilhar notícia falsa na internet (Foto: G1)

A foto de Míriam Leitão é, na verdade, do fim de 1972. A imagem foi publicada junto a um depoimento da jornalista ao “Observatório da Imprensa” sobre as torturas sofridas durante a ditadura militar. Em dois meses de prisão, a jornalista chegou a pesar 39 quilos – 11 a menos do que quando chegou. Não há qualquer menção a assalto ou julgamento. Míriam jamais participou de assalto ou pegou em armas contra a ditadura. Sua resistência foi pacífica, como a realização de panfletagens.

O mesmo texto, compartilhado agora com a foto de Míriam Leitão, já tinha viralizado nas redes sociais anteriormente. Só que com a foto da ex-presidente Dilma Rousseff.

A reportagem identificou ainda que o perfil da irmã de Jorge e Hugo, Ana Rosa Dantas, também é usado para compartilhar links dos sites ligados a Rafael e Hugo. Ela não quer falar sobre o assunto.

O Facebook não comenta casos específicos, mas diz que as notícias falsas têm sido motivadas por questões econômicas e políticas. Os cliques de internautas se revertem em lucros, diz. Segundo a gerente de produto da empresa, Tessa Lyons, o Facebook tem diminuído o alcance orgânico de “conteúdos de baixa qualidade como caça-cliques”, deletado contas e conteúdos que violem as regras e informado os usuários sobre os conteúdos que elas veem na rede social.

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