Segundo o Ministério Público Federal, procedimento foi aberto por um procurador que atua no Rio de Janeiro. Organização do Festival do Capão publicou nas redes sociais que aceitou apoio de Paulo Coelho.
O Ministério Público Federal (MPF) vai investigar a Fundação Nacional de Artes (Funarte) por ter reprovado o apoio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) para o Festival do Capão, na Bahia, com um parecer técnico citando Deus.
Segundo o Ministério Público Federal, o procedimento foi aberto nesta quarta-feira (14) por um procurador que atua no Rio de Janeiro, Sérgio Suiama.
No documento, no qual tivemos acesso, o procurador pede a apuração de “suposta violação aos princípios da legalidade, impessoalidade e do Estado laico, bem como desvio de finalidade no indeferimento do projeto”.
O site entrou em conto com a Funarte e aguarda posicionamento sobre o assunto.
MPF abre processo para investigar reprovação de apoio da Lei Rouanet a festival de jazz na Bahia — Foto: Reprodução
Nesta quarta-feira (14), a organização do Festival do Capão publicou nas redes sociais que aceitou o apoio de Paulo Coelho. O escritor se dispôs a arcar com o valor dos gastos do evento realizado na Chapada Diamantina.
Em vídeo enviado para a TV Bahia, o diretor do evento, Rowney Scott, agradeceu a disponibilidade e disse que a parceria com o escritor estava confirmada.
“A gente conseguiu firmar uma parceria com a Fundação Coelho e Oticica, que vai nos apoiar financeiramente para cobrir o valor que a gente iria capitar pela Lei Rouanet e infelizmente não conseguimos”, disse o diretor.
“Estamos muito felizes, agradecidos a Paulo Coelho e sua esposa, e a todo apoio da população toda, dos artistas, da imprensa, da população, o apoio imenso que a gente tem recebido”, contou.
A organização do evento ainda não detalhou como será essa parceria, nem detalhes sobre o festival.
“Muito gratos a todos e muito confiantes e animados para realizar uma edição histórica do festival, imagino, pelas circunstâncias, que vai acontecer. Quero agradecer a todo mundo e festejar pela democracia e contra o fascismo”, afirmou Rowney Scott.
O que diz o parecer
A Funarte reprovou o pedido de apoio do Festival de Jazz do Capão, via Lei Rouanet, e citou Deus em um parecer técnico de reprovação. Além disso, o documento da Funarte mencionava uma publicação em rede social em que o evento se posiciona como “um festival antifascista e pela democracia”, para embasar o parecer de indeferimento do pedido.
A postagem do Festival, feita em 1º de junho do ano passado, diz: “Não podemos aceitar o fascismo, o racismo e nenhuma forma de opressão e preconceito”.
O texto do parecer emitido pela Funarte à Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura cita a postagem, que funciona como um slogan para divulgação do evento no Facebook.
“Destarte, conforme consta no link https://www.facebook.com/FestivJazzCapao/, localizamos uma postagem do dia 1º de junho de 2020, com uma imagem, contendo um slogan para ‘divulgação’, com a denominação de Festival de Jazz do Capão, na plataforma Facebook, a qual complementou os fundamentos para emissão deste Parecer Técnico. Para tanto, printamos a imagem e a mesma foi encaminhada para à Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura, para upload no Salic, como complementação da apreciação deste parecer”, diz trecho do documento.
No texto, a Funarte cita uma frase atribuída ao músico alemão Johann Sebastian Bach, que morreu em 1750: “O objetivo e finalidade maior de toda música não deveria ser nenhum outro além da glória de Deus e a renovação da alma”.
O parecer destaca também que “por inspiração no canto gregoriano, a Música pode ser vista como uma Arte Divina, onde as vozes em união se direcionam à Deus”. Também cita que “A Arte é tão singular que pode ser associada ao Criador”.
Por fim, concluiu que “a candidatura deste que se postulou a Arte ao concorrer à categoria de Projeto Cultural, apresenta-se desconfigurada e sem acepção a esse atributo. Portanto, o sumário de propositura à chancela do MTur deve ser conduzido ao indeferimento, S.M.J. deste Ministério”.
Conforme parecer técnico emitido pelo órgão do governo do presidente Jair Bolsonaro, o evento não tem condições técnicas e artísticas para ser aprovado.
Festival de Jazz da Bahia é aprovado em avaliação da Lei Rouanet com parecer que cita publicação nas redes sociais — Foto: Reprodução
Entenda o caso
Em 2020, o festival não aconteceu por causa da pandemia de Covid-19, mas fez inscrição na Lei Rouanet, como preparação para o retorno, em 2021.
O projeto, que costuma tramitar rapidamente na Lei de Incentivo Federal, por se tratar de evento de ação continuada com captação nos últimos três anos, estava com tramitação parada desde outubro de 2020, após paralisação do Ministério da Cultura.
A organização do festival afirma que recebeu o parecer desfavorável em junho deste ano, após planejar uma versão online para o evento, dentro do Edital de Eventos Calendarizados da Secretaria de Cultura da Bahia.
O parecer, no qual a reportagem teve acesso, é datado de 25 de junho de 2021 e assinado pelo então coordenador do Programa Nacional de Apoio à Cultura da Funarte, Ronaldo Gomes. Ele foi exonerado do cargo no dia 1° de julho.
A Funarte afirmou que um “parecerista” independente avaliou que havia desvio de objeto no pedido do festival.
Na segunda–feira (12), o secretário especial de Cultura do governo federal, Mario Frias, se manifestou sobre o assunto nas redes sociais.
“Enquanto eu for Secretário Especial da Cultura ela será resgatada desse sequestro político/ideológico!”, escreveu.
Festival do Capão
Festival de Jazz do Capão, na Bahia, com Mou Brasil Quarteto — Foto: Divulgação
As primeiras edições do Festival do Capão aconteceram em 2010 e 2011, e contaram com o patrocínio do então Ministério da Cultura. Na época, participaram do evento artistas como Ivan Lins, Naná Vasconcelos, Hermeto Pascoal e Toninho Horta.
Após um ano sem aporte financeiro, o evento retornou nos anos 2013, 2014 e 2015 com o patrocínio do Programa Petrobras Cultural. Neste anos, participaram do evento artistas como João Bosco, Letieres Leite Quinteto, Dori Caymmi, Raul de Souza e Ricardo Castro.
A organização do Festival de Jazz do Capão afirmou que desde 2017 conta com o Apoio Financeiro da Secretaria de Cultura da Bahia com complementação de patrocínio através da Lei Rouanet.
Nas últimas três edições (2017, 2018 e 2019), o evento recebeu artistas de renome internacional como Egberto Gismonti, Débora Gurgel, César Camargo Mariano, a americana Michaella Harrison, o grupo alemão Kapelle 17, além de artistas do Vale do Capão, de Salvador e jovens do curso de música da Universidade Federal da Bahia (Ufba).