Responsável pelo plano econômico da candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência, o economista Paulo Guedes tem antecipado propostas tributárias.
Em encontro de empresários na última terça-feira (18), o economista anunciou a intenção de alterar a alíquota do Imposto de Renda (IR), criando uma taxa única de 20% para pessoas físicas e jurídicas, para quem ganha acima de cinco salários mínimos.
As informações são da coluna da jornalista Mônica Bergamo, da Folha.
O sistema tributário atual é dividido em faixas, com isenção de IR para aqueles que recebem até R$ 1.903,98, e com cobrança progressiva para quem recebe até R$ 4.664.68.
Por exemplo: a alíquota para aqueles que possuem renda entre R$ 1.903,99 e R$ 2.826,65 é de 7,5%. Já para quem ganha entre R$ 2.826,66 e R$ 3.751,05, é de 15%. Para aqueles que recebem de R$ 3.751,06 a R$ 4.664,68, a taxa é de 22,5%. Para quem ganha acima desse valor, a alíquota é de 27,5%.
No entanto, com a sugestão feita pelo “guru econômico” do candidato do PSL, aqueles que ganham acima de cinco salários mínimos passariam a pagar 20% na alíquota do imposto de renda.
Como a medida proposta inclui pessoas físicas e jurídicas, empresas que atualmente pagariam uma alíquota de 27,5% também seriam beneficiadas com a taxa única.
Floriano Martins de Sá Neto, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), explica que o imposto de renda no Brasil oferta progressividade para quem ganha até 40 salários mínimos, mas, acima disso, se torna regressivo.
Por conta deste modelo, quem recebe muito mais, paga menos impostos. Essa política seria ainda mais fortalecida com a medida proposta pelo economista responsável pelos assuntos econômicos do plano de governo de Bolsonaro.
“A proposta do economista Paulo Guedes aprofunda a regressividade. É absolutamente lamentável. Vai aumentar a tributação de quem, hoje, já está com alíquotas menores, e diminuirá a alíquota das pessoas que estão hoje pagando 27,5%. A proposta consegue piorar o já caótico sistema tributário brasileiro no que diz respeito à justiça, principalmente”, avalia Floriano.
A opinião do presidente da Anfip é compartilhada por Paulo Gil, membro do Instituto Justiça Fiscal. Segundo ele, não há proposta parecida com a de Paulo Guedes implementada em outros países.
“Eu desconheço qualquer país do mundo que tenha alíquota única de imposto de renda. Segunda nossa constituição, o imposto de renda tem que incidir de acordo com a capacidade econômica e contributiva das pessoas. Enquanto os candidatos progressistas estão propondo uma elevação do limite de isenção do imposto de renda, e estão propondo que quem ganha mais pague uma taxa mais elevada, Paulo Guedes está propondo uma alíquota única de 20%”, compara.
Outro modelo
A partir da análise das 27,5 milhões de declarações de imposto de renda entregues em 2016, um estudo feito pela Anfip e pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) propõe um modelo tributário que transfira os impostos da classe trabalhadora para os mais ricos, sem a criação de novas tributações.
De acordo com a proposta, intitulada “Reforma Tributária Solidária”, aproximadamente 50% da carga tributária brasileira incide sobre os impostos indiretos, que consistem nas tributações sobre o consumo, ou seja, a taxação embutida no preço de qualquer mercadoria.
“Uma pessoa que ganha R$ 1.000 paga 50% desse valor sob a forma de impostos indiretos. A proposta [de Paulo Guedes] não trata disso, não corrige esse desequilíbrio que temos no sistema tributário brasileiro. Nós cobramos muito imposto sobre o consumo e pouco imposto sobre a renda. Isso está totalmente desalinhado dos países que regularmente estabelecemos como parâmetro”, diz Floriano.
Na visão dos especialistas, a reforma tributária mais adequada seria aquela com uma tributação progressiva sobre a renda, incidindo sobre sobre patrimônio e grandes fortunas. Nesse sentido, uma reforma não levaria à criação de novos impostos, mas sim a uma transferência da carga tributária.
Segundo dados da Receita Federal de 2016, ano em que o salário mínimo era de R$ 880, cerca de 80 mil declarantes brasileiros tiveram ganhos de mais de 160 salários mínimos por mês, valor em torno de R$ 140 mil. Se essa camada de renda não fosse isenta de impostos via declaração de lucros e dividendos, teriam sido recolhidos, no mínimo, R$ 80 bilhões a mais para cofres públicos.
Em países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a tributação sobre o consumo é, em média, de 32%, enquanto sobre renda e patrimônio é de 34%. Atualmente, a arrecadação total do Estado brasileiro a partir do imposto sobre a renda é de 20%, e, sobre o patrimônio, apenas 4%.
Por esses fatores, Leda Paulani, economista e professora da Universidade de São Paulo (USP), critica de forma contundente a proposta de Paulo Guedes.
“É um absurdo, a única palavra que posso dizer é essa. Um absurdo”, declara a especialista. “O grande problema que temos no Brasil é que a nossa estrutura tributáriaé muito focada em impostos indiretos, então complica, a questão distributiva. Ao invés do Estado, por meio de seu poder de tributar e distribuir, compensar essa desigualdade que tem no país, acaba fazendo o contrário”.
Paulo Gil comenta ainda que a proposta de Paulo Guedes não movimenta a economia, pois, ao pagar mais impostos, o poder de compra da população diminuirá ainda mais.
Contradições
Além da taxação única do IR, Guedes também afirmou que um eventual governo de Bolsonaro poderia recriar a CPMF, que incide sobre movimentação financeira, e estuda eliminar a contribuição patronal para a previdência.
A declaração evidenciou contradições entre os posicionamentos de Jair Bolsonaro, que ao longo de sua campanha tem afirmado que não criaria mais impostos, e seu assessor econômico. Com a circulação da notícia, a conta oficial do candidato no Twitter reiterou que Bolsonaro não aumentará os impostos do país.
Na avaliação de Paulani, a aproximação de Paulo Guedes e Bolsonaro se deu por uma movimentação estratégica do mercado, para que o programa econômico do candidato que está em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto estivesse alinhado com seus interesses.
”O Paulo Guedes não é neoliberal, ele é de um neoliberalismo delirante. É o mínimo que se pode dizer. O programa econômico do Bolsonaro não existe, é um programa para simplesmente dar todo poder ao mercado, privatizar o que estiver na frente e fim. É um governo Temer exacerbado”, alerta a economista.