Eleições 2018: relação de amor e ódio com o PT pode definir ida ao segundo turno

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Quase metade dos eleitores brasileiros têm uma visão política adulterada por suas preferências partidárias, e isso deve ajudar a definir quem vai ao segundo turno das eleições presidenciais de outubro no país, segundo o cientista político David J. Samuels, professor na Universidade de Minnesota, nos EUA.

Autor de um estudo que mostra que a tradição de minimizar a importância de partidos no Brasil está errada, Samuels defende, em entrevista à BBC, que para quase 50% dos eleitores do país as escolhas políticas não são feitas apenas de forma personalista em torno dos candidatos nem por interesses pessoais.

O que guia o brasileiro que vai às urnas é em grande parte a relação dele com os partidos políticos. Ou com pelo menos uma das siglas, o Partido dos Trabalhadores (PT), que gera sentimentos de amor e ódio na população.

Para os eleitores, “a divisão entre petistas e antipetistas é uma força poderosa, que pode moldar o resultado da eleição, independentemente de (o ex-presidente) Lula ser candidato ou não”, diz.

Entre 20% e 25% da população não vai votar no PT de jeito nenhum. Mas também sabemos que entre 20% e 25% dos eleitores têm uma probabilidade extrema de votar em qualquer candidato do partido”, afirma.

Para ele, além do PT – que teria chances por conta dessa mobilização partidária – as alianças do PSDB acertaram ao unir o “centrão” (bloco formado por PP, PR, DEM, PRB e Solidariedade) para formar um grupo forte de partidos para disputar um lugar no segundo turno.

O PSDB está jogando este jogo de forma muito inteligente. Eles também têm muita organização, apesar de não terem uma rede de partidários forte, e o partido se beneficia com o tempo de TV e da capilaridade de vários outros partidos no nível local, se aproveitando de vereadores e cabos eleitorais que estão se juntando a um potencial vencedor.”

Samuels argumenta ainda que a ausência de alianças partidárias deve dificultar o desempenho do candidato Jair Bolsonaro (PSL-RJ).

“A candidatura de Bolsonaro não é uma piada, e ele está se baseando muito no que aconteceu com Trump aqui nos EUA. Mas a grande diferença é que ele realmente não tem apoio de uma organização forte e, ao contrário do que acontece nos EUA, no Brasil realmente é necessário ter a organização e o apoio de máquinas locais para chegar ao segundo turno. É preciso ter alianças com governadores e senadores, de chapas para deputados, e ele não tem nada de tempo na TV, mal vai conseguir falar o próprio nome”, diz o cientista político.

Doutor pela Universidade da Califórnia, Samuels também é coautor de Inequality and Democratization (Desigualdade e democratização, em tradução livre, publicado pela Cambridge University Press, 2014), Presidents, Parties, and Prime Ministers (Presidentes, Partidos e Primeiros-Ministros, Cambridge University Press, 2010) e Ambition, Federalism, and Legislative Politics in Brazil (Ambição, Federalismo e Política Legislativa no Brasil, Cambridge University Press, 2003).

Polarização política no Brasil

A tese sobre a divisão partidária do Brasil entre petistas e antipetistas é defendida por Samuels no livro Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans – Voting Behavior in Brazil (Partidários, antipartidários e apartidários – o comportamento eleitoral no Brasil, Cambridge University Press), lançado em abril deste ano.

Escrita em parceria com Cesar Zucco, da Fundação Getúlio Vargas, a obra mostra que desde os anos 1980 se formou uma divisão entre dois grupos de eleitores: uns votam sempre no PT, e outros votam sempre contra o PT.

“Para entender o caminho da política eleitoral brasileira desde a redemocratização, é particularmente importante entender como a emergência do PT moldou as atitudes políticas e o comportamento dos eleitores – tanto a favor quanto contra o partido”, diz o livro.

“Tanto o partidarismo positivo quanto o negativo moldaram de forma poderosa as atitudes políticas e o comportamento de grande parte do eleitorado do Brasil”, complementa.

Na entrevista, Samuels disse que o partidarismo costuma funcionar em todo o país como “uma lente positiva ao olhar qualquer coisa que o partido faça. As pessoas só veem seu partido de forma positiva e os outros partidos de forma negativa”.

No caso do Brasil, entretanto, a divisão se dá em torno de um único partido: “Há o grupo que só vê tudo de certo e o que vê tudo de errado no PT”.

Segundo ele, entre os antipetistas há pessoas que votam em vários outros partidos, mas o nível de identificação pessoal dos eleitores brasileiros com outros partidos é pequeno – o foco é mesmo o PT, mesmo que seja contra.

“Há bem poucos partidários do PSDB. Segundo a maioria das pesquisas, os eleitores do partido não passam de 5%. O partido nunca colocou muito foco em desenvolver uma identidade entre eleitores. Eles não vão além de dizer ‘somos competentes, sabemos governar, confie em nós’. E muita gente o faz. Não há problema nisso. Mas são eleitores que não têm uma ideologia, não têm um perfil social tão claro”, diz.

Segundo Samuels, não faria sentido chamar os eleitores anti-PT de elitistas.

“Creio que todos os partidos representam grupos sociais do topo da sociedade. Minha pesquisa mostra que não há tanta diferença socioeconômica entre petistas e antipetistas”, diz. A única coisa que separa claramente os petistas e os antipetistas é o amor ou ódio ao PT, argumenta.

“Se você perguntar sobre ideologia, surpreendentemente também não há diferenças claras entre petistas e antipetistas”, diz.

O cientista político afirma que a dificuldade em compreender o que leva ao partidarismo é algo que existe em todos os países, e que há elementos que vão muito além da ideologia na hora em que as pessoas definem o time que apoiam na política.

“É difícil dizer o que leva uma pessoa a se tornar petista ou antipetista. O mesmo vale para o partidarismo em outros países, e é difícil saber por que uma pessoa vira republicana ou democrata nos EUA. Muito tem a ver com a criação dos pais, onde as pessoas moraram, onde estudaram, quem eram os amigos, e quase nada a ver com a opinião sobre políticas específicas.”

O peso de Lula para o PT

A questão do partidarismo a favor do PT é especialmente relevante em uma eleição na qual o candidato oficial do partido – Luiz Inácio Lula da Silva – foi condenado por corrupção, está preso, e pode ser barrado de concorrer à Presidência. Mesmo com tanta adversidade, o cientista político americano diz acreditar que os partidários devem conseguir angariar votos para levar o partido ao segundo turno, mesmo sem Lula.

Graças a essa base de apoio do PT, o cientista político opina que a maioria dos eleitores petistas deve votar no partido mesmo que a candidatura de Lula seja impugnada – e mesmo que com um nível de entusiasmo menor. Para Samuels, isso pode levar o partido ao segundo turno, mesmo que sem Lula.

“A maioria dos eleitores do PT vai com o partido, não vai trocar o PT por ninguém como Alckmin ou Bolsonaro. Ciro Gomes ou Marina Silva podem até levar um ou dois pontos percentuais que iriam para Lula, mas a maioria vai seguir o partido”, opina.

Segundo o professor, é possível pensar que Lula seja maior do que o partido em alguns sentidos, mas que a capacidade do PT de conseguir entre 20% e 25% dos votos em uma eleição nacional independe do ex-presidente.

Não acho que exista um lulismo como postura psicológica. Muita gente gosta de Lula, pode admirar ele, e pode haver quem gosta dele sem ser petista. Nem todo lulista é petista, mas quem é petista sempre vai gostar de Lula. A postura psicológica mais profunda é o petismo, é a ligação ao partido e ao que ele representa, não à pessoa”, opina.

O PT não vai desaparecer quando Lula desaparecer. É uma ligação mais longa e duradoura do que a relação com Lula.”

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