Pelo Plano Nacional de Imunização, o grupo prioritário é ainda maior. A primeira fase da campanha inclui outras populações como povos indígenas e parte dos idosos. Com vacinas insuficientes, especialistas dizem que é preciso estabelecer prioridades dentro das prioridades.
Especialistas ouvidos pelo Jornal Nacional calculam que não há, neste momento, vacina suficiente nem para metade dos profissionais de saúde no Brasil.
A vacinação começou pelo grupo mais exposto ao vírus. Mas tem uma conta que não fecha. O Brasil tem seis milhões de doses da CoronaVac importadas pelo estado de São Paulo, que já estão sendo distribuídas e aplicadas pelo país. Só que a Rede de Pesquisa Solidária, que reúne mais de cem pesquisadores brasileiros, estima que o Brasil tenha, ao menos, cinco milhões de trabalhadores da saúde. Como a aplicação vacinação é em duas doses, seriam necessárias dez milhões de doses apenas para esses profissionais.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também aprovou o uso emergencial de outra vacina, a da Universidade de Oxford e do laboratório AstraZeneca, em parceria com a Fiocruz. O Ministério da Saúde encomendou dois milhões de doses dessa vacina. Somando aos seis milhões da CoronaVac, seriam oito milhões. Menos que os dez milhões de doses necessárias para os profissionais de saúde.
“Nós percebemos uma total falta de planejamento, não há nenhuma diretriz. A informação sobre o dimensionamento, o tamanho, a quantidade de pessoas que compõem esses grupos já estava disponível há muito tempo e não houve interesse, decisão de planejar antecipadamente diretrizes que possam compatibilizar a quantidade de doses disponíveis com a quantidade de determinadas grupos”, diz Mário Scheffer, coordenador da Rede de Pesquisa Solidária.
A vacina Oxford/AstraZeneca ainda não chegou. Na semana passada, um avião já estava preparado para buscar as doses na Índia, mas os governos dos dois países não se entenderam.
O sanitarista Gonzalo Vecina, que já presidiu a Anvisa, também critica a falta de planejamento do governo federal.
“Tem problemas diplomáticos no meio. Ou seja, o governo federal não fez a lição de casa, não estudou adequadamente como fazer para as vacinas se deslocarem pelo país e chegarem até quem deve recebê-las. Infelizmente, nós ainda vamos ter outros problemas pela frente, por causa dessa desorganização do Ministério da Saúde”, diz Vecina.
Pelo plano nacional de vacinação, o grupo prioritário é ainda maior. Além dos profissionais de saúde, a primeira fase da campanha inclui outras populações como povos indígenas e parte dos idosos. Com vacinas insuficientes neste momento, pesquisadores afirmam que é preciso estabelecer prioridades dentro das prioridades.
O professor Mário Scheffer, da USP, que integra a Rede de Pesquisa Solidária destaque que os profissionais de saúde são um grupo diverso e com diferentes níveis de exposição ao vírus:
“Há inúmeros profissionais de saúde que estão em atividades de baixo risco, que executam tarefas administrativas, de ensino, pesquisa, que não envolvem o contato direto com o paciente e o que nós percebemos é que não há nenhum planejamento, nenhuma diretriz nacional para orientar quais trabalhadores da saúde devem ter prioridade na vacinação. Isso faz com que cada estado, cada prefeitura, cada serviço tenha seu próprio critério, muitas vezes, injusto”.
Em nota, a Associação de Medicina Intensiva Brasileira e a Associação Brasileira de Medicina de Emergência recomendam que é preciso vacinar primeiro profissionais em contato direto com pacientes de Covid, tanto de emergências como de UTIs, também os que atuam no Samu e em todas as unidades de emergência e UTIs, mesmo que não sejam exclusivas para Covid.
E também profissionais de transporte hospitalar, setores de imagem, de coleta de exames e técnicos de laboratório que processam amostras de pacientes suspeitos, ou infectados pelo vírus, além de profissionais de limpeza e higienização destes setores.
A Rede de Pesquisa Solidária sugere, por exemplo, definir quantos são e como os profissionais de Saúde serão reconhecidos: por lista dos empregadores, comprovação de vínculo, registro profissional ou autodeclaração. Além de estimar intervalos para se atingir a cobertura desejável e critérios de avaliação desta etapa.
Renato Kfouri, infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, diz que o governo federal errou ao apostar apenas na vacina Oxford/AstraZeneca:
“O governo federal, infelizmente, só assumiu que a CoronaVac faria parte do Plano Nacional de Imunização muito tardiamente. Podíamos ter apostado mais não só na CoronaVac como em outras vacinas para ter uma reserva antecipada. No longo prazo nós temos contratos que nos garantem a sustentabilidade do programa, mas, no curto prazo, falhamos”.
O Ministério da Saúde declarou que enviou doses aos estados e ao Distrito Federal considerando o público priorizado e que o país tem, garantidos, mais de 354 milhões de doses de vacinas.