República Democrática do Congo enfrenta há um ano um surto do vírus, em meio a uma guerra civil. O repórter Estevan Muniz foi o primeiro jornalista estrangeiro a entrar no laboratório que desenvolveu os estudos.
Em julho deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou emergência internacional de saúde pública na República Democrática do Congo, no continente africano.
O país passou por um surto de ebola e quase duas mil pessoas morreram em decorrência da doença. O surto foi declarado oficialmente em 1º de agosto de 2018 e é considerado o segundo maior da doença de todos os tempos.
O atual surto no leste do país começou em 2018 e é o décimo a atingir a República Democrática do Congo desde 1976, quando o vírus foi descoberto pela primeira vez.
A equipe do Profissão Repórter foi até o país para ver de perto os esforços de médicos e também da comunidade internacional para conter o avanço do vírus no local e evitar que ele também chegue a outros países.
O repórter Estevan Muniz conversou com a população e viu de perto os esforços dos profissionais da saúde. Os congoleses enxergam o trabalho desenvolvido no país com desconfiança. Há uma crença de que o ebola foi uma doença fabricada em laboratório pelos brancos ocidentais para dizimar a população negra.
A sensação de insegurança nas ruas de Beni e Goma, regiões que foram mais atingidas pela doença, é tão grande a ponto de ser preciso uma guarnição mista de soldados do exército e policiais para acompanhar os enterros de vítimas do ebola. Há diversos registros de hostilidade e de violência contra os profissionais de saúde e também à imprensa internacional.
A população da República Democrática do Congo, que já se chamou Zaire, sofre há 23 anos com os conflitos armados. Guerrilhas de várias etnias disputam a exploração de ouro e diamante. O país também é rico em mineiros usados na fabricação de baterias para celulares e computadores. A estimativa é de que os confrontos já mataram seis milhões de pessoas.
Policiais e guardas do exército fazem a proteção de agentes de saúde e pessoas da imprensa. — Foto: Reprodução/TV Globo
Para lidar com a situação caótica, a ONU criou a Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo, ou Monusco, como é popularmente chamada. A ação, que tem um custo estimado de US$ 1 bilhão, conta com mais de 15 mil solados. Essa é a maior missão de paz da organização no mundo.
O general brasileiro Elias Matins Filho é o responsável pelo comando da Monusco. Ele explica que o país vive diariamente sob a ameaça de grupos armados do próprio país e também de nações vizinhas.
“Nós temos a presença de grupos armados que são originários dos países vizinhos, como Burundi, Ruanda ou Uganda, e temos outros grupos armados que são de natureza nacional e que, por alguma questão de ainda não terem capacidade de se estabelecer em uma vida normal civil, têm ainda provocado uma série de ameaças e massacres às populações do país.”
O general brasileiro Elias Matins Filho é o responsável pela Monusco, maior ação de paz da ONU no mundo. — Foto: Reprodução/TV Globo
Cuidados especiais
Na cidade de Beni fica o centro de triagem para onde são levadas as pessoas com suspeita de ebola. Para chegar próximo ao local é necessário passar por diversas barreiras com profissionais da saúde, que medem a temperatura das pessoas e pedem a higienização das mãos.
O diretor do centro de triagem de Beni, o médico Kambele Jeremy, explica o longo processo que todos os profissionais de saúde precisam passar todos os dias antes de entrarem no centro para tratar os pacientes com suspeita do vírus.
“Antes de começar a trabalhar a gente precisa ter certeza de estamos bem protegidos. O profissional de saúde não pode ter contato direto com o vírus do ebola”, explica.
A equipe precisa vestir uma macacão de proteção, além de usar cinco luvas cirúrgicas em cada mão. Elas devem ficar grudadas à roupa com fitas adesivas. Toda a cabeça também precisa ser protegida, principalmente a boca, o nariz e os olhos.
Profissionais de saúde usam roupa especial e descartável para evitar contato direto com pacientes infectados pelo ebola — Foto: Reprodução/TV Globo
Os principais sintomas do ebola são febre súbita, fraqueza intensa, dor muscular e dor de garganta. Com o avanço da doença, os infectados passam a ter vômitos, diarreia e sangramento interno e externo. Os pacientes tendem a morrer de desidratação e falência múltipla de órgãos.
“Neste centro de triagem nós termos a confirmação de duas a três doenças por dia. Em julho, por exemplo, nós registramos 100 novos casos de ebola”, revela Kambele Jeremy.
Profissional da saúde passa por processo de descontaminação em centro de triagem — Foto: Reprodução/TV Globo
Cura e esperança
O repórter Estevan Muniz foi o primeiro jornalista estrangeiro a entrar no laboratório que desenvolveu os estudos para a cura da doença. Ele visitou a área de risco do ebola. Lá, amostras de sangue de pessoas infectadas chegam e são manuseadas para a inativação química do vírus e também uma análise genética.
O repórter Estevan Muniz precisou usar roupa especial para entrar na área de risco do ebola. — Foto: Reprodução/TV Globo
Os cientistas do laboratório conduziram um estudo que mostra que dois tipos de moléculas, a mab 114 e a regeneron, são extremamente eficazes no combate ao vírus do ebola. As substâncias são armazenadas em uma sala com temperaturas baixíssimas.
“Pela primeira vez no mundo temos o tratamento para o ebola. Podemos anunciar para o mundo que se houver um surto de ebola, é possível tratar os pacientes com essas moléculas”, explica Daniel Mukadi, que é diretor dos laboratórios de pesquisa.
O Profissão Repórter também foi a primeira equipe jornalística a conversar com o congolês Jean-Jacques Muyembe, que fez parte da equipe que identificou o vírus ebola em 1976. Quarenta e três anos depois, ele foi o responsável pela equipe que conduziu os testes para o primeiro tratamento do vírus.
“Essa é a grande novidade que você tem acesso em primeira mão. Nós chegamos a conclusão de que podemos seguir com tratamento da doença com apenas duas moléculas. O ebola pode ser curado com as moléculas regeneron e mab 114”, explica.
Jean-Jacques Muyembe fez parte da equipe que identificou o vírus ebola em 1976. — Foto: Reprodução/TV Globo
Jean-Jacques Muyembe também acredita que se as pessoas procurarem atendimento de saúde adequadamente, o medicamento pode determinar o fim do surto de ebola da República Democrática do Congo.
“Todos os parâmetros estão bons. Para nós, em três ou quatro meses o surto acaba. Então, é uma grande novidade, é verdadeiramente um grande avanço para a ciência no que diz respeito ao tratamento do ebola”, completa.
Dois dias após conversar com a equipe do médico Jean-Jacques Muyembe, a equipe do Profissão Repórter retornou ao centro de triagem em Beni e acompanhou a liberação de 19 pacientes que foram curados com o tratamento desenvolvido com as moléculas regeneron e mab 114..
“Eu sou um pastor evangélico e não acreditava que o ebola poderia me atingir. No começo pensava que havia sido acometido por uma doença espiritual”, diz um dos pacientes liberados.
Os pacientes foram recebidos com festas pelos parentes que os esperavam e também pela equipe médica, que comemorou a cura de todos.